
A última década ficou marcada por uma trajectória ascendente dos mercados accionistas norte-americanos. Impulsionado por um ciclo prolongado de liquidez abundante, condições financeiras favoráveis e pelo dinamismo de empresas de referência nos sectores tecnológico, de consumo e saúde, o mercado norte-americano tem vindo a consolidar a sua posição de liderança global incontestada em termos de capitalização bolsista. No entanto, este movimento robusto de valorização acarreta um efeito colateral que se torna cada vez mais evidente: avaliações historicamente elevadas.
De facto, indicadores como o rácio preço sobre lucro por acção (P/E) ou preço sobre valor contabilístico (P/B) encontram-se, nos Estados Unidos, muito acima da média histórica. Esta realidade contrasta de forma clara com a do mercado europeu que, presentemente, regista um desconto de 30,7% face ao congénere norte-americano, um valor muito superior ao desconto médio de cerca de 17%, desde 2006, conforme ilustrado no gráfico seguinte:
Figura 1 – Avaliação Relativa (P/E F12M) do Mercado Europeu (STOXX Europe 600) vs o Mercado Norte-Americano (S&P-500)
Fonte: Banco Invest, Bloomberg (Dados a 30-Abr-25).
No Velho Continente, a recuperação económica tem sido mais lenta e menos uniforme, em particular, no período que sucedeu à pandemia da COVID-19. No plano político, o panorama permanece algo fragmentado, ao passo que a nível económico a região caracteriza-se pela menor exposição directa aos sectores de crescimento mais acelerado. Contudo, esta trajectória mais contida traduziu-se em avaliações significativamente mais reduzidas. Como consequência, em termos relativos, as empresas europeias transaccionam hoje com descontos notórios face aos seus pares americanos.
Esta divergência estrutural nas avaliações cria um ponto de inflexão estratégico. À medida que os investidores institucionais começam a reavaliar a composição geográfica das suas carteiras, os argumentos a favor da Europa ganham força. Um dos catalisadores para esta possível rotação geográfica é o anúncio recente da flexibilização do “travão da dívida” na Alemanha. Esta medida poderá desbloquear até 500 mil milhões de euros em investimento público ao longo da próxima década, que poderá ser aplicado em áreas críticas como infraestruturas, transição energética, inovação tecnológica e defesa. Sendo a Alemanha a maior economia da União Europeia, o impacto desta iniciativa poderá estender-se a toda a região.
Por outro lado, o aumento da atractividade relativa da Europa não se esgota nas avaliações. Com a política monetária a entrar numa fase de normalização e perante a maior estabilidade fiscal esperada, muitos investidores começam a identificar no bloco europeu um terreno fértil para diversificar carteiras de forma estratégica. A concentração excessiva em acções norte-americanas, em particular, num conjunto restrito de grandes empresas tecnológicas, implica uma maior vulnerabilidade face a riscos específicos de mercado, regulação ou inovação disruptiva. Uma exposição geograficamente mais equilibrada, que inclua os activos europeus de maior qualidade, pode não só suavizar a volatilidade global da carteira, como também potencia ganhos em diferentes fases do ciclo económico.
Face ao exposto, e atendendo a que as dinâmicas de crescimento, política fiscal e investimento público operam a diferentes ritmos em regiões distintas, os investidores que privilegiem uma abordagem mais diversificada e geograficamente distribuída podem encontrar no mercado europeu um universo de investimento negligenciado. O tempo poderá, enfim, começar a jogar a favor da Europa — e o mercado, ainda que lentamente, começa a dar sinais de reconhecimento desse potencial. Prova disso é o desempenho registado desde o início do ano: à data do final de Abril, em euros, o índice STOXX Europe 600 apresentava uma valorização de 3,9%, o que contrasta com a queda de 13,9% registada pelo S&P-500. Este desfasamento reforça a percepção de que os investidores começam, finalmente, a reavaliar o potencial do velho continente.
Figuras 2 – Evolução YTD do Mercado Europeu (STOXX Europe 600) vs o Mercado Norte-Americano (S&P-500)
Fonte: Banco Invest, Bloomberg (Dados a 30-Abr-25).