
Ao longo da história, o Ouro tem sido encarado como um símbolo de riqueza, poder e estabilidade. No entanto, do ponto de vista do investimento, este metal precioso apresenta-se não tanto como um activo gerador de retorno, mas sim como um activo de refúgio, que tende a valorizar em períodos de crise, instabilidade monetária ou tensões geopolíticas. Pelas razões mencionadas, muitos analistas consideram o Ouro uma peça relevante numa carteira diversificada, não porque gera rendimento, mas porque tende a preservar valor quando o resto do mercado falha.
Contudo, importa reconhecer que este “seguro” tem um custo. Quando as yields reais (taxas ajustadas à inflação) se encontram em terreno positivo, o Ouro tende a revelar-se um activo caro. Ao contrário das obrigações, não paga juros, e ao contrário das acções, não distribui dividendos. Assim, em fases de crescimento económico sustentado e de política monetária restritiva, o custo de oportunidade associado à detenção de Ouro aumenta de forma significativa.
Em linha com o referido, historicamente, o preço do Ouro tem revelado uma correlação inversa com as yields reais norte-americanas: à medida que estas sobem, o ouro tende a perder atractividade relativa, e vice-versa:
Figura 1 – Evolução do Ouro vs Yields Reais (10Y)
Fonte: Banco Invest, Bloomberg.
No entanto, na presente década, o Ouro tem registado um desempenho superior ao do S&P 500, facto evidenciado pelo rácio S&P 500/Ouro, actualmente próximo dos níveis mais baixos dos últimos anos:
Figura 2 – Evolução do Rácio entre o S&P 500 e o Ouro
Fonte: Bloomberg.
Esta outperformance, observada num contexto de forte valorização dos mercados accionistas, tem suscitado reflexão entre investidores e economistas. Uma das interpretações avançadas é a de que o desempenho robusto das acções norte-americanas poderá não reflectir apenas ganhos económicos genuínos, mas também o efeito do monetary debasement, isto é, a erosão do poder de compra da moeda decorrente da expansão significativa da base monetária promovida pelos bancos centrais nos últimos anos.
Figura 3 – Evolução do Agregado Monetário (M2) nos EUA
Fonte: Bloomberg.
Por outras palavras, os mercados accionistas poderão estar a reflectir mais a inflação dos preços dos activos do que um crescimento real e sustentado da produtividade. Neste enquadramento, o Ouro assume o papel de reserva de valor por excelência, cuja escassez física contrasta com a abundância de liquidez injectada no sistema financeiro nos últimos anos.
No entanto, o actual valor recorde do Ouro, tanto em termos nominais como reais, pode igualmente ser explicado por uma conjugação de factores estruturais e conjunturais que têm vindo a redefinir o seu papel no panorama monetário global.
Figura 4 – Evolução do Ouro (Ajustado pela Inflação)
Fonte: Banco Invest, Bloomberg.
Em primeiro lugar, a procura por Ouro por parte dos bancos centrais tem vindo a aumentar de forma expressiva desde 2022, ano em que o congelamento de uma parte substancial das reservas cambiais russas em dólares e euros gerou preocupação em várias economias emergentes quanto à segurança dos seus activos denominados em moeda estrangeira. Em resposta, diversos bancos centrais, nomeadamente os da China, Turquia e Índia, intensificaram as suas aquisições de Ouro, procurando reduzir a dependência do dólar norte-americano e reforçar a robustez das suas reservas estratégicas.
Paralelamente, o agravamento das tensões geopolíticas, o recrudescimento das guerras comerciais e a utilização crescente de sanções financeiras como instrumento de política externa têm levado numerosos governos a diversificar as suas reservas fora do circuito financeiro ocidental. O Ouro, por ser um activo físico, apolítico e universalmente aceite, tem assim recuperado relevância enquanto instrumento de protecção soberana num cenário de fragmentação geoeconómica.
Outro factor determinante reside na forte procura das famílias chinesas, que veem no Ouro uma reserva de valor alternativa face à deterioração do sector imobiliário e à volatilidade dos mercados domésticos. Este movimento, simultaneamente cultural e económico, tem contribuído para sustentar a procura física global, reforçando a pressão ascendente sobre os preços. Acresce ainda a crescente incerteza quanto à independência da Reserva Federal norte-americana (FED) e a sustentabilidade das finanças públicas dos Estados Unidos, marcadas por défices persistentes e um endividamento em máximos históricos, circunstâncias que alimentam dúvidas quanto à estabilidade do dólar no longo prazo.
Em síntese, o Ouro afirma-se como um activo paradoxal. Se, por um lado, não gera rendimento nem distribui dividendos, por outro lado tende a preservar valor. A sua importância reside precisamente nessa característica singular: a capacidade de resistir a choques sistémicos, crises monetárias ou políticas expansionistas. Assim, em períodos de incerteza económica, monetária ou geopolítica, o ouro tende a cumprir a sua função essencial, representando um seguro silencioso, dispendioso em tempos de estabilidade, mas relevante quando o imprevisto acontece.